No dia 30 de julho foi comemorado o Dia Internacional de Combate ao Tráfico Internacional de Pessoas. O Brasil ainda registra um alto número de pessoas traficadas ou trabalhando em situações análogas à escravidão – apenas em 2012, 3.063 trabalhadores foram flagrados em condições similares às dos escravos, com rotinas extenuantes, péssimas condições sanitárias, salários inadequados, entre outras situações degradantes.
O Combate ao Tráfico de Pessoas é um desafio para as Políticas Públicas de proteção às vítimas. O IBAM, em breve, oferecerá, na modalidade a Distancia (EAD), o curso de capacitação “Tráfico de Pessoas e Formas de Enfrentamento”. Fiquem atentos!
Nessa entrevista, Luciana Campello Ribeiro de Almeida1, faz um balanço dos avanços e desafios das políticas públicas de enfrentamento ao combate ao trafico de pessoas e avalia o relatório do Ministério da Justiça divulgado por ocasião da Semana Nacional de Mobilização pelo Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Durante três dias, o Cristo Redentor no Rio de Janeiro, a Esplanada dos Ministérios em Brasília e o Jardim Botânico de Curitiba tiveram iluminação azul em homenagem à campanha “Coração Azul”, marcando o dia 30 de julho como 1º Dia Mundial contra o Tráfico de Pessoas no mundo.
A informação é a principal ação de enfrentamento ao tráfico de pessoas?
A informação é sem dúvida uma das principais ações de prevenção ao tráfico de pessoas. Para evitar esse crime é necessário, entre outras ações, conhecer o que é de fato o tráfico de pessoas, as formas de aliciamento e as consequências, isto é, as diferentes formas de exploração que sofrem as vítimas. Diferentemente do que muitos pensam, o tráfico não resulta apenas em exploração sexual, mas também no trabalho escravo, casamento servil e até mesmo remoção de órgãos. Ocorre no mundo todo, tanto com mulheres, crianças, jovens e também homens e travestis. Daí a importância de conhecer as nuances desse crime, bem como as leis e políticas voltadas para o seu enfrentamento.
Quais outras formas são possíveis de combatê-lo?
O enfrentamento ao tráfico de pessoas passa pela prevenção, que inclui tanto a informação como o acesso a direitos fundamentais, direito à educação, aos serviços de saúde, emprego e renda, como também a repressão e responsabilização dos criminosos, além da atenção e proteção às vítimas e potenciais vítimas. A Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e subsequentes Planos Nacionais voltados a essa temática reforçam exatamente isso. É imprescindível a articulação de ações políticas para o combate efetivo a esse crime. Nessa perspectiva, não apenas o Governo Federal, mas Estados e Municípios, setor não governamental e privado devem somar esforços, propor estratégias e traçar iniciativas conjuntas.
Quais são os instrumentos e normativas no combate ao tráfico de pessoas? Como podem ser acessados?
O Protocolo adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, adotado em Nova York em 15 de novembro de 2000 e ratificado no Brasil pelo Decreto Presidencial nº 5.017, de 12 de março de 2004, é o principal instrumento internacional que define o tráfico e recomenda ações para os Estados.
A partir da ratificação do Protocolo, o Brasil lançou, em 2006, a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e em seguida o 1º e o 2º Planos Nacionais de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, em 2008 e 2013, respectivamente. Esses documentos estão disponíveis no site do Ministério da Justiça (http://portal.mj.gov.br/traficodepessoas/data/Pages/MJ16B51547PTBRNN.htm) juntamente com outras informações úteis sobre o tema, os atores envolvidos no seu enfrentamento e os atuais estudos.
Já é possível fazer um balanço dos avanços e os desafios das políticas públicas de proteção às vítimas com a implementação do Plano Nacional de Enfrentamento ao tráfico de pessoas?
Nesses oito anos, desde o lançamento da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, o Brasil avançou bastante nesse tema e foi capaz de incluí-lo agendas de diferentes órgãos do executivo, como o Ministério da Justiça, a Secretaria de Política para as Mulheres, a Secretaria de Direitos Humanos, o Ministério de Trabalho e Emprego, Desenvolvimento Social, entre outros. Destaco também a criação dos núcleos estaduais de enfrentamento e os postos avançados nos principais aeroportos e regiões de fronteira, para recepção e encaminhamento de pessoas traficadas. E ainda o Comitê Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, instituído pelo Decreto nº 7.901, de 4 de fevereiro de 2013, para articular a atuação dos órgãos e entidades públicas e privadas no enfrentamento a esse crime.
No entanto, ainda há um longo caminho a ser trilhado na perspectiva do enfrentamento ao tráfico e proteção às vítimas. Apesar da Política Nacional reconhecer as diferentes finalidades para as quais se traficam pessoas, as ações antitráfico tendem a voltar-se para o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. É necessário reforçar as pesquisas, estudos e ações que incluam as outras finalidades, como o casamento servil, remoção de órgãos, mendicância, entre outras formas de exploração.
O “Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas no Brasil” elaborado em conjunto pelo Ministério da Justiça e pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UnoDC), divulgado em julho, reúne, pela primeira vez, números de sete órgãos do governo federal sobre o crime e contabiliza dados de 2012. Fale-nos um pouco sobre os resultados desse material.
É interessante perceber que esse Relatório de 2012 ressalta uma grande lacuna que temos no enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil, que é a nossa legislação. A legislação penal brasileira se refere ao tráfico somente para fins de exploração sexual, e mesmo assim de forma bastante controversa, deixando de fora outras finalidades reconhecidas no Protocolo das Nações Unidas. Assim, torna-se realmente difícil ter uma noção clara da magnitude do tráfico de pessoas no Brasil. Afinal, o crime é subnotificado pela dificuldade de identificação, compreensão por parte da justiça e até mesmo pelo medo que muitos envolvidos têm de denunciar.
Segundo Paulo Abrão, Secretário Nacional de Justiça, uma das conquistas no combate ao tráfico de pessoas foi a redução no número de crianças e adolescentes vítimas. Fale-nos um pouco sobre as Políticas e Planos relacionados com o enfrentamento ao tráfico de pessoas, nas áreas voltadas às crianças e adolescentes, mulheres e a erradicação do trabalho escravo.
O tráfico de pessoas precisa ser compreendido como uma violação dos direitos humanos individuais e coletivos, e seu enfrentamento deve estar centrado na proteção às pessoas com os direitos violados. É importante ter em mente também que o tráfico de pessoas é causa e consequência de violações de direitos humanos. Isto é, ao mesmo tempo em que o tráfico de pessoa viola os direitos fundamentais, explora a pessoa e desrespeita seus direitos humanos, é também fruto da desigualdade econômica e social, da falta de emprego, educação, e acesso aos demais direitos básicos. Daí a importância de relacionarmos e ressaltarmos as políticas e planos nacionais voltados aos direitos das mulheres, à erradicação do trabalho infantil, exploração sexual de crianças e adolescentes, entre outros. Daí também a importância da intersetorialidade das políticas públicas existentes.
Qual o papel do Município no combate ao tráfico de pessoas?
Os Municípios, mesmo aqueles pequenos e distantes dos grandes centros e capitais, não estão alheios ao tráfico de pessoas e têm um papel fundamental no enfrentamento a esse crime. Além de contribuir para a promoção e garantia dos direitos fundamentais, os Municípios precisam ampliar a rede de enfrentamento, propondo e executando políticas e ações preventivas, informativas, bem como a atenção e proteção às pessoas traficadas. Para tal, é imprescindível que as gestoras e gestores municipais, assim como servidores das área da saúde, educação, assistência social, entre outros, tenham conhecimento sobre o tráfico de pessoas, as normativas nacionais e internacionais e as políticas existentes.
Onde é possível acessar informações sobre o tráfico de pessoas?
O Ministério da Justiça, a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, de forma tripartite, coordenam a implementação da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e seus planos nacionais, e desenvolvem estudos, pesquisas e documentos sobre tema, que podem ser encontrados nos seus sites. Os Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas são responsáveis por articular ações e serviços estaduais, e por isso possuem informações sobre o tema e políticas existentes. A lista dos núcleos está disponível nesse link http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={395C2E18-4401-4CAA-9961-059B959D1EE3}&BrowserType=NN&LangID=pt-br¶ms=itemID%3D%7BE037AA25-C6A3-4718-BADA-8F55A388E31D%7D%3B&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D
Por fim, as organizações não governamentais têm também um papel fundamental no enfrentamento ao tráfico de pessoas e já vêm atuando há mais de uma década nessa área, em diferentes cidades e estados brasileiros. Muitas dessas organizações brasileiras são filiadas à Aliança Global contra Tráfico de Mulheres (GAATW) e suas informações podem ser encontradas em inglês no site www.gaatw.org.
1 Psicóloga com pós-graduação em Desenvolvimento Social pela Universidade de Wollongong e mestre pela Universidade de Sydney; Professora da especialização clínica do Instituto Carioca de Gestalt Terapia; Membro do Conselho Editorial da Revista Anti-trafficking Review; Experiência na elaboração e gestão de projetos em organizações não governamentais; Consultoria para Banco Mundial, UNODC, GAATW, SNJ/MJ, com temas voltados para os direitos sexuais e reprodutivos, violência contra a mulher e tráfico de pessoas. Atualmente trabalha no Fundo de Investimento Social Elas.