Luciana Hamada, assessora técnica do IBAM em questões relacionadas à gestão energética, fala sobre mudanças climáticas, planejamento urbano, uso e gestão eficiente da energia elétrica, e convida os gestores municipais brasileiros a se inscreverem na 8ª edição do Prêmio PROCEL Cidade Eficiente.
Nos últimos dias o Brasil acompanhou com tristeza o desenrolar da imensa calamidade que se abateu sobre a região serrana do Rio de Janeiro. O que você diria sobre esse evento que já é considerado a maior catástrofe urbana do Brasil?
Os desastres naturais ocorridos recentemente em várias regiões do Brasil, devido às chuvas torrenciais, nos apresentam como eventos consideráveis para repensarmos sobre o modelo de ocupação das cidades. Os níveis altos de chuvas que vêm ocorrendo constantemente afetam diretamente as áreas de risco ocupadas irregularmente e os centros urbanos, pois as áreas densamente construídas causam a diminuição da permeabilidade do solo, mudando o regime de drenagem, causando enchentes e reduzindo as reservas de água subterrânea.
A tragédia ocorrida na região serrana foi devida também, a devastação e a ocupação irregular, principalmente nas áreas de preservação. Considerando este cenário, as alterações propostas para o Código Florestal Brasileiro são extremamente preocupantes, pois, deixa de considerar topos de morros como Áreas de Preservação Permanente (APPs), libera a construção de habitações em encostas e reduz a faixa de preservação de rios. O texto está em tramitação na Câmara dos Deputados, com previsão de votação para o mês de março.
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) prepara um Relatório Especial, com previsão de divulgação para o final deste ano, sobre “Gerenciando os riscos extremos e catástrofes para o avanço da adaptação às alterações climáticas”, que entre os pontos a serem pesquisados aborda o gerenciamento de riscos de eventos climáticos extremos no nível local.
No momento, o IBAM tem a oportunidade de refletir sobre as questões relacionadas às mudanças climáticas, por meio da revisão e atualização dos Guias Técnicos “Manual para Elaboração de Código de Obras e Edificações” e “Planejamento Urbano e o Uso Eficiente da Energia Elétrica”, publicações produzidas em parceria com a ELETROBRAS-PROCEL.
Para o tema Planejamento Urbano será oportuno refletir sobre a inserção de empreendimentos na paisagem urbana, recuperação de áreas degradadas, compensação de passivos ambientais do terreno, preservação da vegetação, eliminação de ilhas de calor e áreas livres permeáveis.
A adoção de ações de eficiência energética no âmbito internacional visa alcançar as metas estabelecidas para a redução de Gases de Efeito Estufa (GEE), enquanto que no Brasil, inicialmente, as ações de eficiência energética estão relacionadas à diminuição do impacto ambiental, com o intuito de evitar a construção de novas usinas hidroelétricas. Entretanto, devido as discussões e acordos mundiais realizados sobre o clima, as ações de eficiência energética foram ampliadas em consideração a sua importância na minimização da mudança climática. Estes aspectos deverão ser considerados nas revisões dos Guias Técnicos.
Sabe-se que a eficiência energética é um dos pré-requisitos a ser atendido para a redução da emissão de gases de efeito estufa (GEE). A implementação de medidas de eficiência energética, ou seja, o uso racional de energia, ainda é tímida mesmo nos países mais desenvolvidos. De que maneira o IBAM vem promovendo a difusão do conceito de combate aos desperdícios de energia elétrica nos Municípios brasileiros?
Em 1996, quando foi estabelecido o primeiro convênio com a ELETROBRAS, a gestão da energia elétrica se apresentava como um desafio ao gestor municipal, pois havia um cenário de reestruturação do setor elétrico, que passou por um processo de privatização das concessionárias distribuidoras de energia elétrica, em que o Município teve que interagir tecnicamente e comercialmente com as empresas, de forma a assegurar a prestação dos serviços de sua responsabilidade com qualidade.
Desde então, o estabelecimento de padrões de consumo, o gerenciamento do uso da energia elétrica e a adoção de ações de eficiência energética nos vários segmentos de consumo das Prefeituras – prédios públicos e os sistemas de iluminação pública e de serviços de saneamento – surgiram como oportunidades de aperfeiçoamento da qualidade e do planejamento dos serviços públicos.
A proximidade do IBAM com o tema proporcionou uma singular experiência em ações voltadas para a elaboração de estudos, guias técnicos e metodologias, que vem contribuindo para a difusão e aplicação da Gestão Energética Municipal – GEM – nos Municípios.
A GEM traduz-se como uma prática a ser utilizada pelos administradores municipais. Consiste basicamente na gerência e otimização de todos os segmentos que utilizam a energia elétrica. Agrupa um conjunto de princípios, normas e funções que buscam a redução das despesas municipais e a implementação de novas atividades com qualidade ambiental e eficiência energética.
Além da continuidade da parceria com a ELETROBRAS-PROCEL, que nos permite avançar no fortalecimento dos instrumentos de difusão e implementação dos conceitos de combate ao desperdício de energia elétrica, buscamos atuar com outras empresas do setor elétrico, como as concessionárias distribuidoras de energia elétrica para a implementação da Metodologia de Planos Municipais de Gestão da Energia Elétrica – PLAMGEs, que será detalhada ao longo da entrevista.
Destaco também a ampliação do tema no âmbito estadual, por meio da adaptação da Gestão Energética Municipal para o Governo do Estado do Amazonas, realizada no ano de 2009. A parceria permitiu a criação do Plano Estadual de Eficiência Energética, com o objetivo de contribuir para o uso eficiente e a redução do consumo de energia elétrica das edificações públicas estaduais.
É importante também situar o tema Gestão Energética Municipal no âmbito da discussão nacional e mundial relativa à questão ambiental e das mudanças climáticas. Considerando que o Governo Federal lançou em 2008 o Plano Nacional para Mudanças Climáticas e, apesar de se ter clareza que as contribuições brasileiras em emissões são, em sua maior parte, oriundas do desmatamento e queimadas, e que dispomos de uma matriz energética bastante favorável nesse quesito, sabe-se que há um potencial importante de redução de consumo de energia elétrica por parte do conjunto dos Municípios brasileiros, capaz de contribuir com esse esforço.
As primeiras iniciativas de legislações para promover a eficiência energética no país surgiu como consequência da crise de energia de 2001, quando foi sancionada a Lei nº 10.295, de 17 de outubro de 2001, que “dispõe sobre a Política Nacional de Conservação e Uso Racional de Energia” (BRASIL, 2001a). A lei afirma que “o Poder Executivo desenvolverá mecanismos que promovam a eficiência energética nas edificações construídas no país”. Qual a sua avaliação sobre os avanços do governo em minimizar o consumo energético em edificações? É possível afirmar que o país ainda tropeça na adequação de projetos mais eficientes?
Na última década acompanhamos um grande avanço para a promoção da eficiência energética no país, em decorrência da crise de energia elétrica, ocorrida em 2001. Desde então, o Governo Federal vem se empenhando para cumprir as determinações instituídas pela Lei de Eficiência Energética.
Em especial às edificações, para a regulamentação da Lei, foi promulgado o Decreto no 4.059 (19/12/2001), que em seu artigo 2º determina que o Poder Executivo deverá desenvolver mecanismos que promovam a eficiência energética nas edificações a serem construídas no país. O mesmo Decreto instituiu, ainda, o Comitê Gestor de Índices e Níveis de Eficiência Energética – CGIEE, apoiado pelo Grupo Técnico de Energia em Edificações – GT Edificações.
Pelo conhecimento em revisão e atualização e/ou elaboração de leis específicas, como o Código de Obras e Edificações e Planos Diretores, o IBAM integrou a Secretaria Técnica (ST) do Grupo Técnico Edificações, que teve como atribuições adotar procedimentos para avaliação de eficiência energética das edificações, definir indicadores técnicos referenciais do consumo de energia das edificações para certificação de sua conformidade com a eficiência energética e elaborar requisitos técnicos para que os projetos de edificações a serem construídos no país atendam aos indicadores preestabelecidos.
Como resultados dos trabalhos desempenhados pela ST foram lançadas pela ELETROBRAS e o INMETRO a Etiqueta Nacional de Conservação de Energia em Edifícios Comerciais, de Serviços e Públicos em junho de 2009, e a Etiqueta Nacional de Conservação de Energia de Edifícios Residenciais, em novembro de 2010.
A etiquetagem é de caráter voluntário para edificações novas e existentes e passará a ser obrigatório para edificações novas em prazo a ser definido pelo Ministério de Minas e Energia e o INMETRO.
Destaco ainda o Plano Nacional de Eficiência Energética 2030 – PNEf 2030 – que encontra-se em Consulta Pública. Segundo as suas premissas e diretrizes básicas, a meta de redução é de 10% do consumo de energia elétrica ao final de 2030. Para alcançar este objetivo, o PNEf deve identificar os instrumentos de ação e de captação dos recursos, de promoção do aperfeiçoamento do marco legal e regulatório afeto ao assunto, de forma a possibilitar um mercado sustentável de EE e mobilizar a sociedade brasileira no combate ao desperdício de energia.
Os estudos desenvolvidos pelo IPCC indicam que as edificações representam uma das principais oportunidades para a redução da emissão de fontes emissoras de gases de efeito estufa (GEE), pois demandam muita energia para o seu funcionamento, calefação e condicionamento. Entre as ações imediatas recomendadas pelo IPCC, são citadas a adoção de projetos e equipamentos adequados ao uso eficiente da energia elétrica nas edificações e a construção de habitações sustentáveis, que causem menor impacto sobre o meio ambiente e utilizem materiais renováveis na sua constituição.
Diante de tantos incentivos e ações desenvolvidos para a implantação da eficiência energética, observa-se ainda que o potencial de economia de energia elétrica nas edificações é considerável. De acordo com os estudos elaborados pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE – do Ministério de Minas e Energia, por meio dos resultados do Balanço Energético Nacional (BEN), apontam que as edificações consomem, para uso e manutenção, 42% do consumo total de energia elétrica do país, distribuído entre os setores residencial (21%), comercial (13%) e prédios públicos (8%). Vale ressaltar que nesta estimativa ainda não é levada em consideração a parcela de energia embutida nos materiais que compõem as edificações.
Desde 1996 a ELETROBRAS-PROCEL estabelece parcerias com o IBAM. Qual tem sido a contribuição do IBAM no âmbito de contratos e convênios estabelecidos?
Ao longo da parceria de 14 anos com a ELETROBRAS, o IBAM consolidou um trabalho que contemplou inicialmente a elaboração de guias técnicos em eficiência energética, estudos sobre o sistema de iluminação pública nos Municípios brasileiros, estudos de diagnósticos energéticos em prédios públicos, realização de capacitações para técnicos municipais, com o intuito de promover a gestão eficiente da energia elétrica no âmbito municipal.
Entre os trabalhos mais significativos, destaco a criação da Rede Cidades Eficientes em Energia Elétrica – RCE – a elaboração e implementação da Metodologia de Elaboração de Planos Municipais de Gestão da Energia Elétrica – PLAMGEs – e a realização anual do Prêmio PROCEL Cidade Eficiente em Energia Elétrica.
A RCE foi criada em 1998, inicialmente com o objetivo de promover o intercâmbio de informações e de projetos de eficiência energética, visando contribuir para o aperfeiçoamento da gestão da energia elétrica dos Municípios associados. Desde a sua criação, o Escritório Técnico da RCE está instalado na sede do IBAM, onde conta com o seu apoio técnico, logístico e de infraestrutura. No momento estamos avaliando com a ELETROBRAS a nova forma de atuação da RCE, com a finalidade de remodelar a sua estrutura, tornando-a mais atrativa aos seus associados.
Em nova parceria com a ELETROBRAS-PROCEL, aprimoramos o método de aplicação da Metodologia PLAMGE, tendo em vista a experiência das Instituições na implementação em mais de 270 Municípios e a necessidade de atender às novas exigências da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), além da revisão e atualização dos Guias Técnicos “Modelo para Elaboração de Código de Obras e Edificações” e “Planejamento Urbano e o Uso Eficiente da Energia Elétrica”, com o intuito de incorporar a legislação pertinente, instituída na última década, bem como os aspectos relacionados à sustentabilidade ambiental e urbana.
O Prêmio PROCEL Cidade Eficiente em Energia Elétrica é considerado como uma das ações que mais contribuem para a divulgação da eficiência energética nos Municípios, pois além de reconhecer e premiar as cidades que mais se destacaram com ações e iniciativas eficientes no uso da energia elétrica, possibilita a replicação de experiências exitosas em eficiência energética e incentiva que as concessionárias de energia elétrica realizem ações nos Municípios.
De que maneira se inserem o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica – PROCEL – e o Plano Municipal de Gestão da Energia Elétrica – PLAMGE? Já é possível fazer uma avaliação de seus ganhos na contribuição da redução e do uso eficiente de energia elétrica na administração municipal?
O PROCEL é um Programa de Governo que se articula, não apenas com o setor elétrico, mas com todos os segmentos da sociedade, direta ou indiretamente ligados à produção e ao uso da energia elétrica.
A sua atuação está voltada para a promoção da racionalização da produção e do consumo de energia elétrica em determinados segmentos. Para isto foram criados subprogramas com atuações especificas, como o PROCEL GEM, que objetiva auxiliar os Municípios a melhor gerenciar o consumo de energia elétrica, de modo a reduzir desperdícios e gastos com esse insumo.
A metodologia do Plano Municipal de Gestão da Energia Elétrica – PLAMGE – elaborada em parceria com o IBAM, surge como forma de atendimento ofertado pelo PROCEL GEM aos Municípios interessados na gestão e uso eficiente da energia elétrica.
O PLAMGE é o instrumento norteador da Gestão Energética Municipal – GEM – que possibilita estabelecer metas, objetivos e estratégias para a redução do consumo e do planejamento do uso eficiente de energia elétrica na Administração Municipal, ao mesmo tempo em que promove a criação e a capacitação da Unidade de Gestão da Energética Municipal – UGEM. Por meio deste instrumento é possível visualizar o consumo de energia elétrica do Município e analisar a implicação técnico-econômica dos projetos eficientes levantados durante sua elaboração.
A metodologia é complementada por um programa computacional denominado Sistema de informação Energética Municipal – SIEM, que auxilia os gestores no gerenciamento e planejamento do consumo de energia elétrica do Município. Sua estrutura permite calcular indicadores de desempenho, apresentar informações e apontar Cenários de Referência e de Eficiência Energética, subsidiando o processo de tomada de decisões pelos Administradores Municipais.
A atualização do roteiro da metodologia e dos avanços do SIEM, na versão em Plataforma WEB, em 2010, permitiu a incorporação de recomendações práticas, testadas e aprimoradas no período de nove anos de aplicação nas Administrações Municipais brasileiras, com o objetivo de obter maior eficácia dos resultados.
Os PLAMGEs, elaborados pelo IBAM no período de 2001 a 2007, em parceria com as concessionárias distribuidoras de energia elétrica, por intermédio dos Programas de Eficiência Energética – PEEs – da ANEEL, indicaram uma redução do consumo de energia elétrica nas etapas de organização e gerenciamento em torno de 122GWh/ano, o que equivale a uma economia de recursos em torno de R$ 21 milhões/ano.
Qual é a importância do Prêmio PROCEL Cidade Eficiente em Energia Elétrica? Como é possível participar?
A premiação é pioneira nesta iniciativa, pois reconhece, há dez anos, as boas práticas em gestão e eficiência energética que progressivamente são realizadas pelos Governos Locais e incentiva que outras administrações municipais realizem ações semelhantes.
Desde o seu lançamento, em 2000, o Prêmio PROCEL Cidade Eficiente já foi concedido a 32 experiências de 27 Municípios e reconhecidos sete Prêmios Destaque em Promoção dos Conceitos de Eficiência Energética de experiências municipais e estaduais.
Os projetos classificados e premiados se destacam dos demais com ações e iniciativas eficientes no uso da energia elétrica em diferentes modalidades de serviços prestados pelos Municípios e Estados, nas categorias Educação, Gestão Energética Municipal, Iluminação Pública, Prédios Públicos e Sistemas de Saneamento. Os vencedores de cada Categoria são laureados com um troféu e um diploma oficial, em uma cerimônia realizada sempre em eventos voltados para a Administração Pública.
Ao longo das edições, percebemos que vem se consagrando como uma referência para os Municípios e o setor elétrico, pois além da premiação da experiência local, as parcerias participantes do projeto são agraciadas com “Reconhecimento de Mérito” pelas ações desempenhadas no âmbito municipal.
Para participar da 8ª Edição, o Município que possuir projetos de eficiência energética realizados até dezembro de 2010, nas categorias mencionadas, deve primeiramente se associar à RCE. A adesão é gratuita e o formulário pode ser preenchido na Internet pelo site: www.rce.org.br. O regulamento, bem como outras informações pertinentes ao Prêmio, encontram-se disponíveis nos canais de difusão da RCE, IBAM e da ELETROBRAS-PROCEL – www.eletrobras.com/elb/procel/main.asp.